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ANTES DE FICAR DOENTE, LUIZ MELODIA CANTOU EM JAÚ
08/08/2017 - 09:24
A terra roxa de Jaú, no interior de São Paulo, trouxe a prosperidade e fez sua região ganhar o nome de “coração fértil”. A 701 quilômetros pela BR 116 da quadra da Escola de Samba Estácio de Sá, na Cidade Nova, Rio de Janeiro, ela não parecia receber Luiz Carlos dos Santos Melodia como se fosse uma despedida. E talvez, justamente pela discrição da noite fria de 9 de julho de 2016, ela tenha se tornado simbólica de um adeus que só quem esteve em um dos 600 lugares daquele Teatro Municipal vai se lembrar.
Melodia apresentava sintomas de um resfriado, o que deixava tudo mais difícil. Seguido apenas pelo violão de Renato Piau, uma lealdade que dura desde o início de tudo, o álbum Pérola Negra, de 1973, entregou o que poderia naquela noite. Falou sobre a saúde fragilizada que o havia deixado de molho por uns dias e saiu do palco para se resguardar por alguns minutos, deixando Piau cantar Blues do Piauí e Catira, Catira. Voltou, cantou mais, fez a plateia sorrir e fechou o show e a vida com Negro Gato, a música que se colaria à sua própria alma.
O nariz começou a sangrar horas depois da apresentação. Ao lado de Piau, Melodia conseguiu antecipar um voo para o Rio, mas decidiu não ir ao médico para saber o motivo do sangramento. “Ele ficou mais dois dias em casa até decidir procurar o hospital”, diz Piau. Quando chegou aos médicos, passou por exames e soube da gravidade. A internação foi imediata e os tratamentos começaram. Mais de 35 shows pelo mundo foram desmarcados, incluindo Bélgica, Londres e Tel-Aviv. Luiz Melodia não resistiu ao câncer que atingiu a medula óssea. Ele se foi na manhã de ontem, mesmo sem acreditar que iria. “Ele estava otimista, sempre. Queria trabalhar”, diz o amigo.
Os lamentos foram imediatos à notícia da morte. “Foi um golpe grande para a gente. Ele era uma pessoa singular, além de ser um gentleman. Nós já perdemos muita gente boa, e essa foi de matar, de nos deixar nocauteados. Que descanse em paz”, disse a cantora Alcione à GloboNews. A Escola de Samba Estácio de Sá anunciou em um comunicado que seus surdos iriam chorar por dois dias de luto. “Luiz Melodia elevou nosso pavilhão e nossa comunidade aos mais altos patamares através de sua música e hoje nosso surdo chora e o Berço do Samba se cala... Decretamos luto oficial de dois dias, suspendendo nossas atividades de quadra.” Gal Costa, a primeira a cantar Melodia no disco Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, de 1971, tornando-o conhecido por Pérola Negra, disse o seguinte à mesma GloboNews: “Morreu o cara que eu amava muito. Além de ser um grande compositor e cantor, era uma pessoa muito especial. Meu coração está muito triste. Sentirei muita saudade... Pérola negra, te amo, te amo.”
Melodia era do rock, não da bossa. A frase é do mesmo Renato Piau, músico que mais tempo passou ao lado do compositor. “Ele achava a bossa muito sofisticada. O que ouvíamos era a Jovem Guarda. Seu maior ídolo era Roberto Carlos”. Seu último projeto seria baseado nessa ideia: um show, batizado Música Romance, que seria gravado ao vivo e patrocinado pela empresa Natura, só com músicas de sucesso da Jovem Guarda. Melodia adoeceu às vésperas de configurar o projeto, mas Piau acredita que pode fazê-lo existir aproveitando material colhido em muitos shows que estão em seu poder. “Tenho muitas músicas inéditas, parcerias nossas que nunca foram gravadas. Acho que poderei ainda honrar esse compromisso do Luiz com a empresa que o patrocinaria.”
Um produto já acabado é o DVD do álbum Zerima, de 2014. Os shows foram gravados em dois dias no Teatro da Urca, em 2016. Antes do formato DVD chegar às lojas, o Canal Brasil vai exibir o material em um especial sobre a trajetória do cantor. No repertório, uma versão para Parei, Olhei, de Rossini Pinto, reforçando o teor jovem guardista na bagagem.
O fato é que havia de tudo em sua obra, algo que nem sempre foi compreendido pelos críticos que o ouviam nos anos 1970. Além de Seu Oswaldo e Dona Eurídice, Luiz Melodia não era filho de mais ninguém. E se despediu dos palcos como gostava de viver, discretamente, em um teatro de Jaú, ao lado de um amigo e de um violão.
ESTADO DE SÃO PAULO (ESTADÃO).
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