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MARATONA A PÉ E CASAS SEM MÓVEIS: A ROTINA DOS VENEZUELANOS EM RORAIMA
05/02/2018 - 10:14
Não tem nem duas semanas que Carol Parrare, de 36 anos, e outros sete familiares abandonaram a Venezuela em busca de melhores condições de vida no Brasil. Eles saíram de Maturín, no Leste do país, para percorrer, como desse, os quase mil quilômetros até Boa Vista, no extremo Norte do país.
Primeiro, pegaram ônibus para sair da Venezuela, mas no caminho o pouco dinheiro que tinham acabou. Assim, nos 218 km da BR-174 que liga Pacaraima, na fronteira do Brasil, a Boa Vista eles só tiveram duas opções: andar a pé e tentar a sorte de conseguir carona.
Em meio às poucas malas que carregavam, um pouco de comida preparada. Mas o alimento, assim como o dinheiro e a água, acabaram logo no início da maratona. Ao todo, foram dois dias e uma noite na estrada.
"Caminhávamos, descansávamos e pedíamos carona até conseguir. Graças a Deus no caminho encontramos muitas pessoas boas, que nos davam alojamento em casas na estrada e também comida, água, suco e frutas".
Ao chegar a Boa Vista, a acolhida foi precária. Ficaram sabendo do perigos de ir para o ginásio Tancredo Neves, onde há mais de mil venezuelanos morando. E assim foram parar na Praça Simón Bolívar, estada comum a outros 300 imigrantes recém-chegados ao Brasil.
"Apesar de tudo, aqui é muito melhor do que na Venezuela. Lá eu cheguei a ficar até cinco dias sem comer".
O grupo entrou para a estatística de quase 40 mil venezuelanos vivendo na cidade, segundo as contas da prefeitura. Os novos moradores equivalem a 12% dos cerca de 330 mil habitantes da capital que hoje, está no epicentro de um verdadeira crise migratória.
Luiz Rondon, de 43 anos, enfrentou a mesma saga de viajar a pé e de carona entre Boa Vista e Pacaraima. Ele conta que só tinha dinheiro para viajar de ônibus até Santa Elena de Uairén, última cidade venezuelana antes da fronteira com o Brasil.
"Morava em El Tigre [no Leste da Venezuela], e vim para Boa Vista caminhando e pedindo caronas por dois dias na BR-174. Eu, assim como muitos outros, só consegui comprar passagens até Santa Elena", conta, lembrando que ficou com os pés machucados de tanto caminhar.
O jornalista Leonardo Gonzalez, de 28 anos, também viajou por dois dias inteiros para deixar a cidade de Sucre, na Venezuela, e vir para o Brasil. No percurso, gastou todo o dinheiro que tinha, vendeu o celular para custear passagens, pediu caronas e andou.
“Não tinha dinheiro para viajar, e também não tinha comida em minha casa na Venezuela. Estava cansado daquilo, desesperado, com fome. Quando cruzei a fronteira com o Brasil, senti esperança”, relata.
Casas fantasmas
Quem chega a pé, de carona ou de ônibus procura refúgio em Boa Vista. Alguns ficam nas ruas e a prefeitura afirma que as 53 praças da cidade ficam, de dia ou à noite, ocupadas por estrangeiros. Outros vão atrás dos abrigos superlotados e, por fim, há aqueles que encontram uma outra saída: dividir aluguéis.
A casa fica no bairro Mecejana, perto da periferia da cidade, tem seis cômodos e todos estão vazios de móveis. A sala não tem sofás ou televisão. Nos quartos são só colchões no chão, e a cozinha não tem nem geladeira. O número de moradores até assusta: são 31 pessoas dividindo o mesmo teto.
"Os empregos mais braçais ficam para os homens e a limpeza da casa para as mulheres", explica Maitê Salazar, de 24 anos, afirmando que nem todos se conheciam antes de começarem a morar juntos. "Alguns são parentes, mas hoje vivemos com amigos e conhecidos que fizemos na Venezuela ou aqui no Brasil".
Ela diz que não é sempre que os 31 moradores se encontram ao mesmo tempo em casa. "A maioria passa o dia na rua atrás de trabalho, e geralmente só nos vemos no fim da tarde ou então de madrugada".
Na hora de dormir, redes e colchões ocupam a casa sem mobília. Tem quem durma nos quartos, na sala, na varanda e até na cozinha."Eu durmo aqui junto com um amigo", explica Maitê apontando para uma rede no canto da varanda, quase colada no muro da frente.
Outro morador, Jesus Suarez, de 58 anos, que é um dos mais antigos no endereço, conta que quando eles fecharam o aluguel, há quatro meses, tiveram que pedir para um amigo brasileiro formalizar o contrato. "Ele conhecia o dono e foi mais fácil de de explicar".
Essa é a realidade de uma parcela considerável de imigrantes, é o que mostra uma pesquisa promovida pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), e realizada pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello na Universidade Federal de Roraima (UFRR).
O estudo, feito no segundo semestre de 2017, mostrou que maioria dos venezuelanos não-indígenas vivendo em Roraima é jovem, possui boa escolaridade, tem atividade remunerada e paga aluguel para morar.
Como têm pouca documentação e geralmente não conseguem comprovar renda, os venezuelanos não fecham contratos por imobiliárias, mas diretamente com os proprietários. Por isso, não há estatísticas que mostrem o aumento do número de alugueis concedidos a venezuelanos na cidade.
No entanto, mesmo sem os dados, a situação é vísivel. No bairro Silvio Leite, na periferia da cidade, uma casa é o lar de 17 venezuelanos da mesma família. Do total, sete são crianças.
A sala da casa deles não tem sofás, nem televisão. O cômodo é vazio, assim como a cozinha que precisa de mesa, cadeiras e panelas. Os banheiros são só dois.
"Para morar junto assim é preciso ter muita paciência" explica Juliana Dias, de 34 anos, que vive na casa com os três filhos e o marido. "Eu e ele dormimos no chão da cozinha e não temos privacidade".
Lisbeth Martinez, de 27 anos, mora na mesma casa. Ela conta que no início não tinha nenhum móvel no quarto em que dorme com o marido e a filha de 3 anos. "No começo só tínhamos rede no quarto, mas depois que meu marido começou a trabalhar conseguimos comprar fogão, geladeira, cama e televisão que colocamos no nosso quarto", conta
Num dos dois quartos da casa, dois dos 17 moradores dormem um sono profundo. São os gêmos Sebastian e Santigo Torres. Recém-nascidos, eles perderam a mãe, a venezuelana Yessica Torres, de 24 anos, que morreu em razão de complicações no parto no dia 26 de janeiro, dois dias depois de dar à luz. Ela tinha vindo para o Brasil apenas para tê-los.
Desamparados, foram acolhidos pelos tios, que vivem na casa, mas eles não tinham dinheiro para comprar roupas e nem comida para os nenéns. No entanto, uma campanha abraçada por moradores de Boa Vista reverteu essa realidade.
G1 - RORAIMA
Agora, além de roupas e de um considerável estoque de leite e fraldas, cada um tem seu próprio berço. Nascidos em solo brasileiro, mas de origem venezuelana, eles são o retrato da imigração em curso que está transformando o extremo Norte do Brasil.
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